domingo, 1 de julho de 2012

A DINÂMICA DA IMAGEM DO CORPO: DA CRIANÇA AO IDOSO


Artigos Científicos


A DINÂMICA DA IMAGEM DO CORPO: DA CRIANÇA AO IDOSO


Maria do Carmo Domingues Alves/PE
(Pedagoga, Psicomotricista e Sócia da SBP)


"DO TATO AO CONTATO: UMA EXPERIÊNCIA DE DIÁLOGO CORPORAL"

INTRODUÇÃO

Este trabalho está baseado em pesquisas, vivências, experiências compartilhadas e refletidas. Tendo como referencial a Psicomotricidade Relacional, que através de práxis procura dar um espaço de liberdade, onde o indivíduo aparece inteiro, com seu corpo, seu toque ,suas emoções, suas fantasias, sua inteligência, estabelecendo relações com outro, através do diálogo corporal e dos materiais utilizados. Vivenciamos uma Psicomotricidade de interações, que envolve não só o tato, como também o contato. O indivíduo é concebido em sociedade, sofrendo as influências da cultura e da macroestrutura, sendo assim atingido individual e socialmente corpo é concebido como uma espécie de sistema portador de memórias, cuja as informações circulam em silêncio. No entanto, as condições do envolvimento, podem gerar perturbações do corpo e das suas condutas, na esfera afetiva, cognitiva e somática, afetando a pessoa na sua totalidade.
No percurso do trabalho, foi feita uma correlação com o tema abordado, num registro através da linha do tempo: ao idoso.

OBJETIVO
Validar, cada vez mais, a importância do tato e do contato, através do diálogo corporal, visando seu aprofundamento na Psicomotricidade relacional.

FUDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Segundo BOFF,(1999:11)
"A sociedade contemporânea, chamada sociedade do conhecimento e da comunicação, está criando, contraditoriamente, incomunicação e solidão entre as pessoas". 

Daí questionamos: O que está havendo no mundo hoje? Os homens estão perdendo sua afetividade? Seus vínculos estão ficando banalizados?
A mídia vem exigindo que os corpos ganhem forma, percam a autonomia e liberdade de ser. Onde vai parar o homem? A Internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos encontrar alguém. Pode-se comprar, pagar contas, trabalhar, pedir comidas e medicamentos, assistir a um filme sem falar com ninguém. Para viajar, conhecer países não precisamos sair de casa, tudo vem via on line. A relação com a realidade concreta com seus toques, cheiros, contatos, cores, frios, calores, pesos, resistências e contradições é mediana pela imagem virtual que é somente imagem . O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado pelo fechamento em si mesmo e pela falta do toque, do tato e do contato humano. Em função de tantos descompassados é que retomamos a temática: "Do tato ao contato: uma Experiência de Diálogo Corporal". Falar de tato é falar de pele. A pele que nos cobre é como um envelope gigante, é um órgão que recebe impressões táteis, ou sensoriais, e reage a qualquer contato com sensações especificas, onde seus receptores absorvem o calor, o frio, toque, cócegas, tipos de dor e vibrações.

"A pele é nosso órgão mais importante, em seguida ao cérebro. As áreas relativas ao tato no cérebro, cobrem um percurso surpreendentemente grande, tanto na região sensorial quanto na motora." (Davis,1991,p.31). 

Por intermédio da pele, envolvemo-nos constantemente com o que se passa em nosso exterior. É pelo sentido do tato que a pele recebe impressões sensoriais e reage a qualquer contato. Convém ressaltar que a experiência mais precoce, mais elementar e , provavelmente, mais dominante do bebê por nascer é a tátil. O contato físico não é apenas um estimulo agradável ,mas uma necessidade biológica. O feto, durante os nove meses em que se desenvolve no útero, tem a pele constantemente estimulada por impactos rítmicos transmitidos através do líquido amniótico, que os amplia. Sendo assim, o feto tem sua primeira experiência com a estimulação tátil mesmo antes de sair ao mundo. As contrações uterinas servem como afago ou estimulação de pele inicial para o bebê, que tem os nervos cutâneos ativados. O parto proporciona uma massagem que vitaliza a criança que nasce, uma forma de estimulação que deve prosseguir por tempo considerável após o nascimento. As pesquisas mostram que as crianças nascidas prematuras ou por cesariana estão sujeitas a distúrbios de desenvolvimento, requerendo um período de abraços, embalos e afagos regulares e concentrados após o parto, talvez em substituição aos "abraços" que perderam ao nascer.
Segundo Lapierre(1986:16)

"A primeira comunicação da criança é o contato corporal direto com a mãe e a linguagem é a tônico-emocional. O diálogo corporal mãe-bebê se constitui em fase inicial é fundamental para a comunicação com o mundo". 

Cada ser humano chega ao mundo com necessidades diversas. Uma delas é a necessidade de contato físico. Estar em contato é estar atento ao que está acontecendo dentro de si, em suas relações e contenção.
É através do contato da pele, na linguagem tônico-emocional, que o bebê encontra a mãe. Este bebê necessita do acordo das pulsões tônicas para inserir numa comunicação verdadeira, fusional, a qual irá contribuir para a sua segurança afetiva.
Para Melanie Klein (1969:28)
"A relação tônico-afetiva com o seio da mãe está fora da criança, como dentro do seu corpo e nesta perspectiva é o diálogo seio-bebê e bebê-seio que virá a ser decisivo na futura relação entre o sujeito e o objeto".

Portanto, o corpo é o instrumento, através do qual o sujeito se comunica e se expressa ,nele encontra-se pontuada, inscrita, toda a história não consciente.
Em algumas crianças a sensação de tocar e ser tocado é altamente desenvolvida, enquanto outros apresentam uma relativa insensibilidade ao contato físico, tocam de forma impetuosa ou até evitam contatos. A prática desenvolvida na Psicomotricidade Relacional possibilita ao psicomotricista, na contenção, resgatar no aqui/agora a história relacional da criança a partir do aspecto corporal, do movimento, do gesto, do acordo ou desacordo tônico. É a relação tônica que acontece entre o Psicomotricista e a criança que constitui a ligação, vínculo, e a ligação dá a criança o reconhecimento do outro, que é uma pessoa única, inteira e por conseqüência auto-reconhecimento. Esta contenção se caracteriza pela atitude de escuta, permissividade, descupabilizante, de compreensão e aceitação e pela presença seguradora e confiável do Psicomotricista. Daí a criança inicia um processo de confiança em si, no outro e a na vida.
O que acontece à medida que as crianças crescem e se desenvolvem? Sua carência de contato físico vai cessando? Tal necessidade biológica se traduz em forma de outras carências ou é satisfeita de outras formas? Alguns pesquisadores como também as evidências dizem que não. Eles colocam que a nossa cultura é avessa a contatos físicos e, conforme vem sendo provado com o tempo, sempre que se reprime algo desejado, busca-se outro meio de satisfação.
Entre os cinco anos, observou-se que o menino começa a evitar e a ter negado a estimulação tátil e a contenção por meio do contato físico. O pai começa a se distanciar e incentiva a mãe a fazer o mesmo. Afinal, já não se trata de um bebê. A Psicomotricidade Relacional também cuida das fronteiras do trabalho da criança e do trabalho com pai, mãe, família, como também da escola, estando na escuta dos seus pedidos. Quais mudanças e aprendizagens buscam neste atendimento. Estes pedidos também englobam a contenção no sentido do enquadre do trabalho. Entende-se que estas expectativas dão um significado de muito valor à qualidade do processo de atendimento, em termos de segurança e de alcance de objetivos. A proposta é de se trabalhar com o pedido, a saúde e não com a disfunção. As meninas gozam o aconchego e a confiança dos contatos físicos por um período mais longo, porém estes em geral vão cessando, com o início do desenvolvimento dos seios ou a primeira menstruação, pelo menos no que se refere ao pai.
Entre os cinco e os doze anos de idade aproximadamente, interesse da criança por seu corpo não diminui, embora a estimulação tátil por parte dos pais possa ter diminuído. Que criança nunca brincou de médico? Qual a que não observou o corpo dos pais e irmãos quando despidos? Porém as restrições e censuras sociais, abertas ou sutis já se afirmavam e a criança passa a ter a impressão de que faz algo errado, sentindo-se culpada. Além disso, seu mundo começa a expandir e outras atividades e pessoas ocupam-lhe o tempo e a atenção. Gradualmente, durante a adolescência, a necessidade básica de tocar e ser tocado, reprimida e desprezada por alguns anos, torna-se apenas uma busca impessoal por satisfação sensorial, mas também uma busca simbólica do amor, de intimidade, segurança, aceitação, contenção e confiança. O adolescente, encontrando geralmente bloqueadas as principais vias de satisfação tátil por contato físico junto aos pais e amigos, aprende a buscar satisfação por meio da exploração sexual. Faz experiências consigo e com os outros e, falhando, passa a evitar o contato com o grupo. Alguns jovens simplesmente recolhem-se à concha que é seu corpo. A sociedade acrescentou mais um item a seu conjunto de tabus quanto a "não tocar". Além do medo do prazer e outros, de origem freudiana, o medo do homossexualismo também restringe o comportamento no qual se refere aos contatos físicos. Na tumultuada fase adolescente ocorre muita confusão a respeito de amor e sexo, toque e afeto. O adolescente caminha em busca do encontro consigo mesmo, em busca da identidade adulta, que está intrinsicamente ligada aos lutos que precisa viver, como a perda da infância, do próprio corpo, que se transforma e que lhe é desconhecido. A Psicomotricidade Relacional se baseia na decodificação simbólica da atuação espontânea da criança e do adolescente, isto é, na leitura do conteúdo comunicativo simbólico, para intervir na estrutura e na evolução da dimensão afetiva. Permite a expressão das projeções do sujeito num clima de contenção, desculpabilizando-o, como também a expressar suas dificuldades relacionais, carências afetivas, e se propõe a ajuda-lo a supera-las, isto é, auxiliar na evolução das estratégias relacionais que o sujeito põe em jogo para satisfazer suas necessidades. Ao nos tornarmos adultos, perdemos muitas oportunidades de tocar. No geral, há menos contatos com os pais, incluindo o físico, e sobram poucos amigos com os quais interagiu. Para se comunicarem, usam mais as palavras. No entanto, o tipo e quantidade de contatos na vida adulta varia de pessoa para pessoa. Depende da idade , do sexo, da situação e do relacionamento entre as pessoas envolvidas. Ao envelhecermos e nos tornarmos idosos, as oportunidades de contato físico diminuem ainda mais. Porém, ao se tornarem avós, mesmo os que nunca foram afetuosos, de repente passam a manifestar o desejo de pegar todos os bebês que encontram, além de beijarem e contê-los. Se o marido ou a mulher morre antes do cônjuge, conforme ocorre com freqüência, o contato físico para o sobrevivente, pode cessar quase totalmente. De acordo com a opinião de alguns pesquisadores, regredimos ao envelhecermos, ou a necessidade de contato físico está presente, sendo que nessa idade avançada não é satisfeita nem num nível mínimo? Talvez a necessidade de contato físico se torne mais intensa, mais urgente no idoso por ele concluir que tem "permissão" para tocar sem mal entendidos. Talvez ao envelhecermos, encontremos a sabedoria e a coragem de tentar satisfazer nossas necessidades.

CONCLUSÂO

Concluímos que o tipo de sociedade do conhecimento e da comunicação que temos desenvolvido nas últimas décadas está ameaçando a essência humana. Fazemos parte de uma cultura que não contempla o corpo e convivemos com uma mídia que reforça a acomodação, a censura e a massificação corporal. A cultura vem difundindo tabus quanto aos prazeres táteis, incentivando culpa e medo nos indivíduos, tornando os contatos físicos proibidos. A Psicomotricidade Relacional vem com passos fortes e significativos, contribuindo para o resgate do SER, através da sua dinâmica. Acreditar na Psicomotricidade Relacional é acompanhar seu percurso, compreender sua evolução, intercalar fatos, idéias, histórias, filosofia. É compreender que o ser se encontra-se em evolução, é respeitar esse processo de vir a ser, e não simplesmente estar. É repensar o homem, a cultura, seu cotidiano, suas relações, interrogações e reticências...Estar aberto, perceptivo, dinâmico, resgatando nessa evolução humana o prazer, o brincar, o movimentar-se, o compreender-se, o relacionar-se através do tato e do contato, num verdadeiro diálogo corporal. Abordamos muitos dos fatores que influenciam nossa cultura avessa a toques e contatos físicos e analisamos algumas repressões sociais. Contudo, devemos lembrar disto: você e eu somos a sociedade. Você e eu formamos nossa cultura. Não esqueçamos do nosso compromisso em transformá-la.


BIBLIOGRAFIA
Boff, L. Saber cuidar: Ética do humano- compaixão pela terra.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
Davis, P.K. O poder do toque. São Paulo: Nova cultura Ltda, 1991.
Klein, M. A educação de crianças à luz da intervenção psicanalítica. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
LAPIERRE, A. L.A O adulto diante da criança de 0 a 3 anos. Curitiba: Ed. Da UFPR:CIAR, 2002.
LAPIERRE, A. , AUCOUTURIER,B.. Simbologia do movimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

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